Flores, que abris o rubro e pudoroso cálice
A' doce inundação dos matinaes fulgores ;
Flores, deixae, deixae, que o vosso aroma exhale-se,
Enlaçae-vos e ornae o seu sepulchro, flores !
Igneo, flammante sol, manso ribeiro lépido,
Astros de frouxa luz, magnéticos luares,
Vento, na aurora frio e ao meio dia tépido,
Borboletas azues, que vos libraes nos ares,
Oh ! aligero bando, alto, argentino, mélico,
Perfumes, sons, poesia... ali ella repousa !
O túmulo gentil d'aquelle corpo angélico
E' simples e não tem lettras sequer na lousa !
Oh ! natureza! ostenta o esplendido espectaculo,
Que soes sempre ostentar ás gallas matutinas !
E embala-o, como outr'ora o santo tabernaculo
Embalava-se aos sons das citharas divinas.
Sua existência foi, como a das flores, rápida,
E, aves, ella expirou, como expiraes, oh! aves !
E amou !... aves cantae ! de sob a fria lapida
Talvez que ella vos ouça as musicas suaves.
Oh! ondas, que abraçaes seu túmulo ! Ondas cerulas
Que do fundo sahis d'esse oceano bello —
Trazei para offertar-lhe, um turbilhão de pérolas
Cobri-lhe de coraes o túmulo singello !
Ella repousa ali! Ali soluça o Atlântico
E eu soluço também no seu final jazigo —
Fulge sol! cahe orvalho ! aves erguei-lhe um cântico !
Ou antes : todos vós vinde chorar commigo !
Túmulo á beira-mar
- Escrito por Raimundo Corrêa
- Coletânea: Primeiros sonhos