Anjo das trancas louras ! eu quizera,
Rosa fresca da minha primavera,
Flor — mais que as outras flores,
Nas mattas virgens fabricar meu ninho,
Longe do mundo, e lá viver sósinho
Comtigo — meus amores !

A' sombra de florido cajueiro,
Quero tanger meu languido pandeiro
Pelo raiar d'aurora;
Vêr — nuvens no poente ensangüentadas,
Sentir beijos das boccas perfumadas
Da viração que chora !

Vêr a exhalar o odor, nos bosques, acre,
Abrir-se a flor sylvestre côr de lacre
Ao fogo tropical
Do sol, que as fontes límpidas amorna,
Secca as verduras da campina e torna
Em brasas o areal !

Quero tirar do violão um threno
Quando escorrer nas folhas o sereno,
Que cahe baga por baga,
Escrever o teu nome n'alva areia,
E ouvir ao longe o mar que esbofeteia
A solitária plaga !

Filha! feliz n'aquella soledade,
Eu tornaria em pura realidade
Todos os sonhos teus !
E — Jesus ! tão idolatra eu seria,
Que prostrado a teus pés te adoraria
Como se adora um deus !

Será o quarto teu, moça bonita,
Um sacrario, onde eu só — feliz Levita —
Poderei penetrar !
E lá nós, embalando-nos na rede,
Os painéis pittorescos da parede
Iremos contemplar!

Eu serei caçador, tu — costureira...
(Pois não posso viver a vida inteira
Junto aos joelhos teus !)
E quando eu fôr caçar pela floresta,
Um beijo imprimirás na minha testa
Dizendo triste : adeus !

Tendo ao lado a cestinha de costura,
Tu coserás á noite, virgem pura,
Em plácido remanso,
E inclinarás a fronte fatigada,
Sobre o fofo espaldar da almofadada
Cadeira de balanço!

E quando d'esses dedos cor de rosa
O teu dedal de prata, preguiçosa,
Escorregar no chão
Tens em mim um escravo paciente
Para apanhal-o, rápido, contente
E pol-o em tua mão !...

Se dormes, eu te acordo — e tu, desperta,
Has de então ver pela janella aberta,
Na tela do horisonte,
Que a lua cheia — lamina redonda —
Faz saltar esculpida d'onda em onda
A macerada fronte !