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Meu Vintém Perdido

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By Cora Coralina
Cora Coralina
Coletânea: Vintém de cobre

Que procura você, Aninha?
Que força a fez despedaçar correntes de afetos
e trazê-la de volta às pedras lapidares do passado?
Sozinha, sem medo, vinte e sete anos já passados…
Meu vintém perdido, meu vintém de felicidade.
Capacidade maior de ser eu mesma, minha afirmação constante.
Caminheira, caminhando sempre.
Nos meus pés pequenos,
meus chinelinhos furados.
Tão escura a noite da minha vida…
Indiferentes ou vigilantes.
Tanto tropeço.
Na frente, marcando o caminho a candeia apagada.
Procuro minha escola primária e a sombra da velha mestra,
com seu imenso saber, infinita sabedoria, sua arte de ensinar.
Quanto daria por um daqueles velhos bancos onde me sentava,
a cartilha de “ABC” nas minhas mãos de cinco anos, quanto daria
por um daqueles velhos livros de Abílio Cezar Borges, Barão de Macaúbas
e aquelas Máximas de Marquês de Maricá,
aquela enfadonha tabuada de Trajano,
custosa demais para meu entendimento de menina.
mal-amada e mal-alimentada…
Meus vinténs perdidos, tão vivos na memória…
Quando eu morrer, não morrerei de tudo.
Estarei sempre nas páginas deste livro, criação mais viva
da minha vida interior em parto solitário.
Tirei-os da minha solidão sem ajuda e sem esperança,
ao fundo, o relâmpago longínquo de uma certeza.
Recusada tantas vezes, até o encontro com a José Olímpio em 1965.
Depois, treze anos de esquecimento.
Solidão, esperando se fazer a geração adolescente
que só o conheceu na sua segunda edição,
que ao final sensibilizou a geração adulta, que o recebeu na primeira
em escassos cumprimentos.
Depois, o que tem acontecido a tantos: a vitória final.
Leitores e promoção.
Meu respeito constante, gratidão pelos jovens.
Foram eles, do grupo Gen, cheios de um fogo novo
que me promoveram a primeira noite de autógrafos
na antiga livraria Oió: Jamais os esquecer.
Miguel Jorge, nos seus dezessete anos, namorado firme
de Helena Cheim, também escritora e amiga de sempre.
Luís Valladares e tantos outros a quem devo
tanta manifestação carinhosa e generosidade.
Hecival de Castro, dezessete anos lá se vão corridos.
Detesto os que escrevem mal e publicam livros.
A linguagem escrita, simples e correta, deve dar a impressão
de alguém que sabe escrever.
A maior dificuldade para mim sempre foi escrever bem.
A minha maior angústia foi superar a minha ignorância.
Confesso com humildade essas verdades simples e grandes.
Sou mulher-operária e essa segurança me engrandece,
é o meu apoio e uma legitimação do que sou realmente.
A linguagem errada dos humildes tem para mim um gosto de terra
e chão molhado e lenha partida.
Jamais procurei corrigi-los como jamais tolerei o bem-falante, exibido.
Já o nordestino, mesmo analfabeto, tem uma linguagem corrente,
fácil e floreada, encenada nos arcaísmos do idioma.
Tive uma empregada que só dizia “meicado”.
Outra que teimou sempre em me dizer “Dona Coria”.
Não criei obstáculos nem propus conserto. No fim,
quando me dirigia à primeira eu dizia: vai ao “meicado”,
com medo de que ela se corrigisse. Achava aquilo saboroso,
como saborosa me pareceu sempre a linguagem dos simples.
Tão fácil, espontânea e pitoresca nos seus errados.

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