Voltei. Ninguém me conhecia. Nem eu reconhecia alguém.
Quarenta e cinco anos decorridos.
Procurava o passado no presente e lentamente fui identificando a minha gente.
Minha escola primária. A sombra da velha Mestra.
A casa, tal como antes. Sua pedra escorando a pesada porta.
Quanto daria por um daqueles duros bancos onde me sentava,
nas mãos a carta de “ABC”, a cartilha de soletrar,
separar vogais e consoantes. Repassar folha por folha,
gaguejando lições num aprendizado demorado e tardo.
Afinal, vencer e mudar de livro.
Reconheço a paciência infinita da mestra Silvina,
sua memória sagrada e venerada, para ela a oferta deste livro,
todas as páginas, todas as ofertas e referências
Tão pouco para aquela que me esclareceu a luz da inteligência.
A vida foi passando e o melhor livro que me foi dado
foi Estórias da Carochinha, edição antiga, capa cinzenta,
papel amarelado, barato, desenho pobre, preto e branco, miúdo.
O grande livro que sempre me valeu e que aconselho aos jovens,
um dicionário. Ele é pai, é tio, é avô, é amigo e é um mestre.
Ensina, ajuda, corrige, melhora, protege.
Dá origem da gramática e o antigo das palavras.
A pronúncia correta, a vulgar e a gíria.
Incorporou ao vocabulário todos os galicismos, antes condenados.
Absolveu o erro e ressalvou o uso.
Assimilou a afirmação de um grande escritor: é o povo que faz a língua.
Outro escritor: a língua é viva e móvel. Os gramáticos a querem estática,
solene, rígida. Só o povo a faz renovada e corrente
sem por isso escrever mal.
Vintém de cobre
Cora Coralina
Voltei
- Detalhes
- By Cora Coralina
- Coletânea: Vintém de cobre