(In memoriam)


Conto para você umas coisas que estão acontecendo
na Casa Velha da Ponte.
Cantou esta manhã um Bem-te-vi, último, penúltimo, talvez.
Era um cantar solene e triste.
Não mais o alegre desafio de todos os Bem-te-vis
desaparecidos de Goiás.
Era assim, como uns gritos, lamentos de socorro.
Mas não era do Bem-te-vi que eu ia falar.
Faz tempo, queria contar para a sua ternura,
essas coisas miúdas que nós entendemos.
Ah! Meu amigo e confrade…
As rolinhas… As últimas, fogo-pagou, cantaram a cantiga
da despedida no telhado negro da Velha Casa.
Cantaram em nostalgia toda uma certa manhã passada.
Olhei. Eram cinco, as derradeiras.
Levantaram voo e se foram para sempre.
Não mais seu grupinhos cinzentos e asseados
nos trilheiros do velho quintal, catando suas comidinhas,
sementes de capim, dados pelo Bom Deus.
Aqueles que não plantam e não colhem e têm direito à vida.
Sempre puras. Nem a rainha de Sabá teria meias tão vermelhas
e veste tão linda como elas.
Cantaram seus louvores.
A louvação da despedida final.
E se foram para um indefinido longe, ninguém sabe onde.
Onde não houvesse sementinha envenenada
e sim o chorinho escondido de água impoluída.
Ficou para nós, velhos namorados dessas coisas simples,
a lembrança, essa doçura de evocação.
Elas deixaram este recado:
Fala para seu amigo que não tinha mais jeito…
E a Casa Velha da Ponte ficou desfalcada
de seus encantamentos.
Tanto papel escrito, tanta coisa inútil.
Se tudo já foi dito, o que ficou para mim?…
A palavra nova… Como será?
Mesmo nova será nascida de um arcaísmo.
Neste livro, o que terá valor?
O que ficou sem escrever.
O maior valor dos meus livros.
Poucos. Escritos no tarde da vida:
A exaltação à minha escola primária,
a sombra da velha Mestra,
a bolacha da minha bisavó,
as broinhas da tia Nhorita,
a sabedoria de meu avô,
um canto de galo, um cheiro de curral,
o arrulho da juriti,
resumindo tudo no carreiro Anselmo.