Lucrécias
Bruno Seabra
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- By Bruno Seabra
- Coletânea: Lucrécias
Quem vem da igreja? Tereza
Que foi casar-se... surpresa!
Não esperava este azar!
Nunca me turbara a ideia
Esta lembrança tão feia
De que podia casar!
Que não cuidei vejo agora,
Por que m'o afirma esta hora,
Que inesperada bateu!
Casada! vejo-a casada!
Jesus! como está mudada!
Pois também mudarei eu.
Cessai, esp'ranças viçosas,
Emurcheceu, perfumosas
Flores, que eu tanto reguei!
Coração, meu pobre filho,
Velho'stás, segue o meu trilho,
Enruga como enruguei!
Casou-se aquela trigueira,
Que para vos tão fagueira
Se mostrava; já casou!
Aquela mesma Tereza,
Que a correr pela devesa,
Tantas vezes nos cansou!
Olhem como vem pimpona!
É uma senhora dona,
Reparem como ela vem...
Seu marido vem com ela
Todo cheio de cautela,
Que muitos ciúmes tem!
Olhai-a, como nos foge!
Como mais esquivos hoje
Seus olhos fogem de nós!
Agora que'stá casada...
Não irás mais a latada
Colher uvas a sós...
Já não veste saias curtas,
Como outrora a colher murtas,
Jambos ou maracujá,
Pelos declives dos montes
Ia, e depois vinha às fontes,
E nós estávamos lá...
Vem? é outra! é outra... olhai-a!
É vestido, não é saia,
Tereza a mesma não é!
E que vestido comprido!
Não deixa ver o vestido,
Nem a pontinha do pé!...
Adeus senhora Tereza!
Salve o pobre na pobreza
Que isto não lhe fica bem!
Soberba co'o seu marido,
Soberba co'o seu vestido,
Já não conhece ninguém!
Deixa-se de soberbias,
Lembre-se daqueles dias,
À sombra dos cafezais...
Descora... não tenha medo!
Vá tranquila que o segredo
Da minha boca... jamais...
Jamais... e jamais suponha
Seu marido que a vergonha
À casa lhe-hei de eu levar...
Jamais, senhora Tereza,
Que eu também tenho a certeza
De algum dia me casar.