Para mim és tu só o universo;
Soe embora o bulício do mundo;
Que este existe somente, onde existes:
Tudo o mais é um ermo profundo.
A. Herculano.
Por que não me acreditaste?
Por que duvidas de mim?
Nas terras, por onde andaste,
Alguém já te amou assim?
Já encontraste no mundo
Alguém, que amor tão profundo
Te pudesse dedicar?
Coração, que mais ardesse,
Que um teu suspiro soubesse
Com mil suspiros pagar?
Quem tanto tempo a lembrança
De um sonho havia guardar,
Sem a menor esperança
De o poder realizar?
Quem, com tamanha ternura,
À sombra de tarde pura,
Teu nome repetiria,
Embevecida julgando
Que te estava contemplando
Nos horizontes, que via?!
Ai! quem à noite velando,
Em ti assim pensaria?
E para em ti estar pensando,
Quem, quem tanto velaria?!
Quem já formou tão risonhos,
Tão lindos, dourados sonhos,
Entretida a meditar?
Quem, desde tão curta idade,
Com tanto amor e saudade,
Por ti verias chorar?!
Quem, dos bailes no tumulto,
Se acharia tão sozinha
Com o pensamento, que oculto
Do seio no fundo tinha?!
Quem, neles, com mais tristeza,
Duma invejou a beleza,
Doutra as prendas invejou,
Para atrair os olhares,
Que te via esperdiçares
Com a que nunca te amou?!
Os males de tua vida
Quem partilhar quereria
Com a ternura estremecida,
Com que os eu partilharia?
Ah! quem tão fervidamente
Rogaria ao Onipotente,
Para deles te isentar?!
Nadando em santas delicias,
Do coração as primícias
Quem assim te havia dar?!
Só eu um coração dar-te podia,
Cujos sonhos mais doces fossem teus,
Como de alma é a mística poesia,
Como no céu os anjos são de Deus.
Só eu podia dar-te um coração,
Que afagasse tão terno à tua imagem,
Como à flor escondida no botão
Afaga, carinhosa, a branda aragem.
Só eu um coração podia dar-te,
Tão rico de ternuras e de amores,
Que nos gozos soubesse acompanhar-te,
E desvelado mitigar-te as dores.
Não, não é uma mentira;
Este coração, que à lira
Por ti, só por ti me inspira,
Todo, todo, te entreguei;
Podes com mimo adorá-lo,
Como um tesouro guardá-lo;
Podes também desprezá-lo,
Que inda assim te bendirei.
Te bendirei — não te minto —
Pelo, que hoje em mim sinto,
Desconhecido sofrer...
Quem dantes crer me faria,
Que essa paixão, que eu nutria,
Viesse ainda a crescer?!...
Ela, ai de mim! — aumentou-se,
E a tal extremo elevou-se,
Que já não posso ocular;
Do meu coração o espaço
E já hoje bem escasso
Para tamanho amor guardar.
Por que não sei explicar-te
O que ora se passa em mim?
Ai! por que não sei provar-te
Que nunca sofri assim?!
Na minha vida passada
Tua imagem adorada
Nunca me fez tanto mal;
Nunca me deu um tormento,
Convulso, louco, violento,
Que fosse ao que sinto, igual!
De sono tão agitado,
Por que um instante passei?
Com o peito dilacerado
Por que, tremendo, acordei?
Ah! não creias que te engano
No meu delirar insano,
Que não sei bem expressar:
Nessa insônia de amargura
Deu-me a cruel desventura
Uma ideia de matar!
Era a ideia desgraçada
De que, breve, te veria
Só nos sonhos da abrasada,
Delirante fantasia!
Ah! dissipa-me este medo;
Não te demores; vem cedo,
Se não por amor, por Deus,
Salvar-me desta ansiedade,
Desta medonha saudade,
Verdugo dos dias meus!